JUDICIALIZAÇÃO E QUESTÃO SOCIAL: AS AÇÕES DO ESTADO NA GARANTIA DE DIREITOS
Artigo da Assistente Social, Hellen Soares Santana Carneiro*, apresentado durante o II Congresso de Pensamento Político Latino Americano em Buenos Aires/Argentina.
Resumo
Este trabalho tem como objetivo discutir a judicialização do acesso às Políticas Sociais, que atualmente se tornou uma tendência, no que tange à efetivação dos direitos sociais, reconhecendo no Poder Judiciário, uma institucionalidade privilegiada, para responder as expressões da questão social, em razão da desresponsabilização do Estado. Na atualidade o desafio de implementar políticas sociais no Brasil vem sendo enfrentado de diversas formas num processo atravessado por lutas políticas e interesses contraditórios, mediados especialmente pelo contexto socioeconômico de retração do Estado e descontinuidade de ações públicas. Discutiremos o desafio da afirmação de direitos na sociedade brasileira e os impactos causados pelo neoliberalismo para as políticas sociais e analisaremos a questão da efetivação dos direitos privilegiando a via judicial, destacando as transformações. ocorridas na sociedade a partir da Constituição Federal de 1988 e também, o fenômeno da judicialização, que tem aumentado em um contexto de omissão do Poder Executivo em relação à concretização dos direitos sociais.
Abstract
This paper aims to discuss the legalization of access to Social Policy, which now has become a trend, regarding the fulfillment of social rights, recognizing the Judiciary, a privileged institutions, to meet the terms of the social question, because of disclaimer of the State. At present the challenge of implementing social policies in Brazil is being faced in many ways a process traversed by political struggles and interests, especially mediated by socioeconomic context of recession and discontinuity of the state of public actions. We will discuss the challenge of assertion of rights in Brazilian society and the impacts caused by neoliberalism for social policies and examine the issue of enforcement of rights favoring the judicial process, highlighting the changes occurring in society from the 1988 Federal Constitution and also the phenomenon of judicialization, which has increased in the context of a failure of executive power in relation to the realization of social rights.
JUDICIALIZACAO E QUESTAO SOCIAL: As
Ações Do Estado Na Garantia De Direitos.
Ao tratarmos das politicas sociais
de um modo geral, devemos considera-las no contexto das contradições da
sociedade capitalista, que reside na produção coletiva de riqueza e sua apropriação
privada. De acordo com Vieira (1992: 22), “a politica social e uma maneira de
expressar as relações sociais cujas raízes se localizam no mundo da produção”.
O processo de acumulação
capitalista produz uma população maior do que as reais necessidades da acumulação.
Isso resulta na produção de uma classe trabalhadora diversificada na sua forma
de inserção na produção, e que depende da venda da sua capacidade de trabalho
para sobreviver, o que por sua vez depende das demandas do capital. Isso
resulta na produção da pobreza, originada nos baixos salários dos que estão no
mercado formal de trabalho.
Estas contradições se encontram na
base da questão social e do surgimento das politicas sociais. Entendemos por questão
social “[...] o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade
capitalista (IAMAMOTO, 1999: 27)”.
As mobilizações operarias do século
XIX trouxeram para a cena politica e econômica as reivindicações da classe
operaria, a denuncia da miséria e do pauperismo produzidos pelo capitalismo e
exigiram a interferência do Estado no reconhecimento dos direitos sociais e políticos
dessa classe.
Ao longo da segunda metade do século
XIX e inicio do século XX, ocorreu o enfraquecimento dos argumentos liberais
resultante de alguns processos político-econômicos. Um deles foi o crescimento
do movimento operário
Que obrigou a burguesia a
reconhecer direitos de cidadania politica e social cada vez mais ampliados para
essa classe. O outro significativo processo foi à concentração e monopolização
do capital.
A concorrência intercapitalista entre
grandes empresas de base nacional se transformou em confronto aberto nas duas
grandes guerras mundiais.
Segundo Behring (2008), não ocorreu
uma ruptura radical entre o Estado liberal (século XIX) e o Estado Social capitalista
do século XX. Mas sim, uma mudança na aparência do Estado que assumiu um caráter
mais social, investindo em Politicas Sociais.
A luta da classe trabalhadora foi
determinante para a mudança da natureza do Estado liberal. Ela conseguiu assegurar
importantes conquistas na dimensão dos direitos políticos, como o direito ao
voto, de se organizar em partidos e sindicatos e de se manifestar.
Diferentemente dos direitos civis, os direitos políticos são direitos
coletivos, garantidos a todos. O desenvolvimento dos direitos políticos
contribuiu para a ampliação dos direitos sociais e para mudar o papel do
Estado.
As crescentes lutas da classe
trabalhadora, bem como a presença de algumas medidas de regulação publica, marcam
a origem do Welfare State. Um dos elementos foi a introdução de Politicas
Sociais na Alemanha, orientadas pela logica do seguro social, ou seja, o Estado
reconheceu que a incapacidade para o trabalho e resultante de contingencias
como idade avançada, enfermidades, desemprego, e que deveriam ser protegidas. O
outro elemento, e que as politicas ampliaram a ideia de cidadania e desviaram
suas ações, que antes estavam direcionadas apenas para a pobreza extrema.
A crise de 1929 a 1932 representou
um marco muito importante, principalmente para as elites político-econômicas, e
também foi conhecido como o período da Grande Depressão. Foi a maior crise
enfrentada pelo capitalismo ate o momento, que se iniciou no sistema financeiro
americano e se alastrou pelo mundo.
No Brasil, o surgimento das
Politicas Sociais não acompanha o mesmo período histórico dos países
desenvolvidos.
Não houve no período escravista do século
XIX uma radicalização das lutas operarias. A questão social marcada pela
pobreza e iniquidade só foi colocada como questão publica a partir da primeira década
do século XX, com as primeiras manifestações dos trabalhadores e as primeiras
iniciativas de legislação voltadas para o mundo do trabalho.
A criação dos direitos sociais no
Brasil e resultado da luta de classes e revela a correlação de forcas
predominante.
Se por um lado os direitos sociais são
pauta de reivindicação dos movimentos e manifestações da classe trabalhadora.
Por outro representam as classes dominantes que buscam se legitimar em ambiente
de restrição de direitos políticos e civis (BEHRING, 2008: 79).
Neste sentido, a relação entre
politicas sociais e a luta de classes se configura num cenário complexo para as
lutas em defesa dos direitos de cidadania, considerando que, no Brasil, o
trabalho esteve marcado pelo escravismo, pela informalidade.
A crise dos anos 1970 marcou o
esgotamento do padrão capitalista monopolista, fundado num regime de acumulação
rígido. Surgiu, então, a necessidade de se criar um novo acordo: desmantelar o
trabalho fixo reduzir.
Os altos tributos, buscando a manutenção
do próprio capital.
A forma flexibilizada de acumulação
capitalista permitiu uma crescente redução do proletariado estável e,
consequentemente, ocorreu o incremento do trabalho terceirizado. Com o
crescimento do desemprego, ocorreu a diminuição das receitas do Estado,
provocando o déficit fiscal e o endividamento publico (IAMAMOTO, 2003).
Com isso, ocorreu o encolhimento do
Estado e a redução de investimentos em serviços sociais. Isso permitiu o avanço
das ideias neoliberais, que foram assumidas como a grande saída para a crise do
capitalismo. A precariedade do sistema de proteção social não possuiu condições
de responder as manifestações dramáticas da pobreza e exclusão social. A população
sobrante para as necessidades do capital cresceu, assim como a exclusão social,
econômica, politica e cultural.
De acordo com Wanderley (1997: 82),
“se de um lado, cresce cada vez mais a distancia entre os excluídos e incluídos,
de outro essa distancia nunca foi tão pequena, uma vez que os incluídos estão ameaçados
de perder os direitos adquiridos”.
Com a economia globalizada, o papel
de intervenção do Estado na economia e rediscutido, por estar inserido num
contexto de fluxo inconstante de capitais e investimentos. Com o
desenvolvimento tecnológico avançado e a crise fiscal do Estado, os gestores
vivenciam o dilema de priorizar a eficácia administrativa ou de buscar a justiça
social. A maneira como o Estado intervém na economia e traçada, no sentido de
garantir o máximo de eficiência arrecadatória e investir minimamente no social.
O Brasil e profundamente atingido
pelas transformações originadas pela globalização dos mercados e o avanço do
neoliberalismo. Por um lado a concentração da riqueza e por outro o
empobrecimento da população, afetando.
Principalmente o mundo do trabalho,
altos índices de desemprego e novos modelos de organização e estruturação, causando
a flexibilidade e a precariedade nos vínculos de trabalho, reduzindo cada vez
mais as responsabilidades do Estado sobre a seguridade social e os direitos
sociais da população. O avanço do neoliberalismo promoveu a descentralização
das Politicas Sociais e ao mesmo tempo, ocorreu a: centralização executiva, econômica
e normativa. O discurso neoliberal prometia uma maior igualdade de
oportunidades, tanto em nível institucional como para a população, mas
paradoxalmente o que constatamos no cotidiano da pratica profissional, e a existência
de uma crescente desigualdade econômica, social e cultural.
A resposta neoliberal a esta
realidade promoveu alterações na esfera produtiva e também na orientação, dimensão
e funções do Estado. Temos aqui, a minimização estatal, a privatização de
empresas publicas, a não intervenção do Estado na economia, bem como a redução
dos gastos públicos, sendo esta ultima voltada para a diminuição dos recursos
destinados a área social: politicas sociais e assistenciais.
As mudanças nos processos
produtivos geraram um impacto, que atingiram todos os países. No Brasil, na década
de 1990, já se manifestava o período de contra reforma do Estado, sob orientação
do Consenso de Washington, o que revela mais uma vez que a opção politica do Serviço
Social pela classe trabalhadora enfrentou e enfrenta as mesmas ofensivas que o
conjunto dos segmentos desta, pelo avanço do neoliberalismo.
No atual contexto neoliberal,
global e produtivo, as politicas sociais “são substantivamente alteradas em
suas orientações e em sua funcionalidade” (MONTANO, 1997: 114). Por um lado
elas são privatizadas, transferidas da esfera do Estado para o âmbito da
sociedade civil – Igreja, ONGs, instituições de apoio, etc.; são focalizadas, não
possuindo o caráter universalista e são também desconcentradas. Por outro lado,
os serviços sociais e a assistência estatal são fortemente reduzidos em
quantidade, qualidade e variabilidade.
A partir da Constituição Federal de
1988, a sociedade passou a se interessar mais por questões que envolvem a justiça,
buscando soluções para conflitos não resolvidos em outras instancias sociais.
Essa realidade contribuiu para a produção de novas necessidades sociais,
levando a ciência do Direito a requerer auxilio das Ciências Humanas e Sociais.
Entre essas áreas, destaca-se o Serviço Social que contribui com seu
conhecimento especifico para a construção de novas alternativas de ação no
campo jurídico.
Porem, o processo de efetivação de
direitos privilegiando a via judicial rebate no descomprometimento do Estado no
enfrentamento as expressões da questão social e na despolitização da esfera
publica.
Neste contexto, relacionamos a concepção
de esfera publica a um de seus elementos constitutivos, a democratização, que
Segundo Raichelis, (2000: 43) “remete a ampliação dos fóruns de decisão
politica que, extrapolando os condutos tradicionais de representação, permite
incorporar novos sujeitos sociais como protagonistas e contribui para
consolidar e criar novos direitos”.
A incorporação da forma
constitucional, que inclui a divisão de poderes, busca garantir que os
interesses das classes sociais fossem vistos de maneira que se evitasse o
quanto possível, a concentração do exercício politico nas mãos de poucos.
Assim, se desenvolveu a ação do Poder Judiciário, nesta ótica de Estado Liberal
democrático (de direitos) e, neste modelo de organização do Estado.
Atualmente, frente ao crescente
corte dos gastos públicos e a ampliação do processo de exclusão social, o Poder
Judiciário se encontra sitiado com as limitações do Estado de garantir as leis
conquistadas a população em geral.
Com os crescentes embates entre os
interesses de classes, o Judiciário e forcado a assumir funções inéditas e incompatíveis
com a estrutura jurídica típica do Estado liberal não dispondo de meios para
tornar possível a compreensão dos litígios inerentes a contextos socioeconômicos
cada vez mais complexos. O Estado perde a sua autonomia para decidir, em função
do capital transnacional e o Poder Judiciário, como parte da estrutura do Estado,
vê comprometido seu poder de decisão (FARIA, 2001).
Sendo assim, o Poder Judiciário, ao
decidir pela implementação de uma politica social, que constitui um dever do
Estado, passa a ditar os fins do Estado e não a constitucionalidade dos meios
eleitos para sua consecução.
O preenchimento do conteúdo de um
dever do Estado faz parte de uma atividade politica, a partir de uma pauta de
prioridades para as quais o legislador e o administrador foram eleitos.
As possibilidades de resolução dos
conflitos, pelo Poder Judiciário, se deparam com a incapacidade dele de dar
respostas aos grandes problemas que se apresentam aos cidadãos na sociedade. O judiciário
“... tornou-se, assim, incompetente para resolver os conflitos, não cumprindo
sua função básica no Estado” (RIGHETTI; ALAPANIAN, 2006: 6). Ele trata as
sequelas da “questão social” como se fossem problemas particulares, de famílias
ou grupos excluídos; não possui aparato técnico, para identificar as reais
prioridades sociais, tendo que obter informações da própria administração
publica.
O Estado passa a ser solicitado,
pela sociedade, para formular politicas sociais amplas para os diferentes
setores da economia, na função de supervisor do desenvolvimento do pais. Isso
resultou na compatibilidade entre o Estado neoliberal e as funções de
formulador de politicas sociais e publicas.
Surge, então, um novo fenômeno na
esfera publica, concebido como campo de disputa entre os interesses sociais,
que tem demandado novos padrões de relação entre o Estado e a sociedade civil,
denominado de “judicializacao de conflitos” ou “judicializacao da politica”
(VIANNA, 1999, 42), ou seja, a transferência, para o Poder Judiciário, da
responsabilidade de enfrentamento as expressões da questão social.
Barroso explica que, “... a
judicializacao envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações
significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da
sociedade.” (2009: 3)
Em relação a sociedade civil,
especialmente os setores mais pobres e desprotegidos, depois da deslegitimacao do
Estado como protetor social, eles procuram no Judiciário um lugar substitutivo
para atender as suas expectativas
de direito e de aquisição de
cidadania (VIANNA , 1999: 42)
Ocorre, porem, que o mesmo Estado
que se deslegitima na função de proteção social e aquele que pune, sanciona,
obstaculiza e torna moroso o acesso aos direitos, através de longos processos
na Justiça.
Com a globalização, os excluídos do
sistema econômico aos poucos perdem as condições materiais para exercer seus
direitos básicos. Mas isso não os impedem de suas obrigações e deveres
estabelecidos pela legislação, principalmente a penal. O Estado com suas determinações
os integra ao sistema jurídico em suas formas marginais. Ou seja, como
devedores, réus, invasores, etc. Frente a crescente desigualdade, cabe ao Estado
funções de punição e repressão. (FARIA, 2001: 14)
Lima Junior defende que “o caminho
legal não esgota as possibilidades de realização de direitos” (2002: 663), mas
que existe outra forma, que se impõe a efetivação dos direitos humanos, que e
dada pelas politicas publicas.
Falar em politicas publicas e falar
em um movimento maior do que aquele operado pelos três poderes que compõem o
Estado. Presume-se falar em sociedade civil organizada, em atores sociopolíticos,
que, na condição de sujeitos históricos, buscam, através de um processo de
luta, a construção de uma nova historia, de uma nova sociedade, com justiça.
Reconhece-se que a atuação do Poder
Judiciário e de suma importância para a efetivação dos direitos individuais e
coletivos, porem, o que se discute esta relacionado a responsabilidade do
Estado em responder as demandas postas pela questão social sem, portanto,
privilegiar o Poder Judiciário. Os poderes Legislativo e Executivo são
instancias fundamentais para a normatização, definição e execução das politicas
sociais, e estas são os instrumentos de reconhecimento e viabilização dos
direitos.
Mas, sempre que os direitos
positivados forem afetados, o Poder Judiciário, além de sua atribuição legal,
tem a obrigação ética de interpelar a instituição que for, para que a lei seja
cumprida. E importante ressaltar, que a ação do Judiciário seria mais
impactante nas relações sociais, se agisse na prevenção dos conflitos sociais,
detendo- se mais ao interesse coletivo do que as ações individuais e de pequeno
segmento da população.
Portanto, transferir para o Poder Judiciário
as funções destinadas aos demais poderes demonstra um indicio de uma crise de confiança
no atual sistema. Substituir a pauta de prioridades do Executivo pela do Judiciário
retira do legislador os meios necessários para a obtenção de suas finalidades, além
de tornar o ato imune a revisão dos demais Poderes.
A transferência de
responsabilidades ao Poder Judiciário traria consequências politicas
importantes. Substituir o Administrador Publico (Executivo) pela figura do juiz
não se mostra politicamente legitimo, visto que o Administrador Publico foi
eleito, através do voto popular, para estabelecer uma pauta de prioridades na implementação
das politicas sociais.
Importante destacar que a função do
Judiciário e a de revisar os atos praticados pelos demais poderes e não substitui-los,
enquanto que, ao Executivo, cabe estabelecer prioridades na execução de sua
politica social, fazendo-a de acordo com os critérios políticos. O Poder Judiciário,
sendo o responsável pela fiscalização dos demais Poderes, não pode substituir
esta atividade, sob o risco de autorizar a intervenção do Executivo na
atividade judicial.
Garapon (1999) ressalta que a
judicializacao nem sempre e entendida como um fato positivo, pois nota-se que o
crescimento do Judiciário, como ator politico, se deve a crise de representação
politica e da própria democracia moderna, na medida em que ha um
enfraquecimento dos poderes Legislativo e Executivo.
O crescimento do poder da Justiça
esconde dois fenômenos que são diferentes, aparentemente, cujos efeitos concorrem
e se reforçam: por um lado, tem-se o enfraquecimento do Estado, sob pressão do
mercado; e, por outro, o desmoronamento simbólico do homem e da sociedade democráticos.
O enfraquecimento do Estado e uma consequência
direta da globalização da economia. Sendo assim, ao mesmo tempo em que despreza
o poder tutelar do Estado, o mercado multiplica a recorrência ao jurídico.
Esses dois fenômenos permitem a migração
do centro de gravidade da democracia para um lugar mais externo.
A Justiça tem fornecido a
democracia seu novo vocabulário: imparcialidade, processo, transparência, contraditório,
neutralidade, argumentação etc. Ela proporciona imagens capazes de dar corpo a
uma nova ética de deliberação coletiva. Isso explica por que o Estado se desfez
de algumas de suas prerrogativas sobre instancias quase jurisdicionais, como são
as autoridades administrativas independentes.
O fenômeno da “judicializacao”
revela que, atualmente, a sociedade brasileira esta marcada por intensas mudanças,
em todos os âmbitos dos Poderes. E o Poder Judiciário e visto como uma espécie
de instrumento excepcional e estratégico na efetivação de politicas sociais
ineficazes, sendo usado quando os órgãos estatais competentes descumprirem seus
encargos, comprometendo, assim, a eficácia e a integridade de direitos e
garantias individuais e coletivos.
Porem, a tendência do fenômeno da
judicializacao, ao transferir para o poder judiciário, a responsabilidade de atendimento,
via de regra individual, das demandas populares, ao invés de fortalecer a
perspectiva de garantia de direitos positivados, contribui para uma
desresponsabilizacao do Estado, sobretudo dos Poderes Legislativo e Executivo,
com a efetivação destes direitos, através das politicas publicas.
O acesso ao judiciário não garante,
necessariamente, a resolução do problema, de maneira que existem entraves que
independem da boa vontade de operadores de justiça e que dizem respeito ao
papel do Estado e do seu entrelamento aos interesses ditados pelo capital.
Melo adverte que “o acesso a justiça
não e apenas ‘entrar’ e também ‘sair’ com a solução definitiva” (2005 apud
AGUINSKY, 2006). Não se pode negar a importância ao acesso a justiça, em seu
sentido estrito. Mas importa reconhecer que esta via não poderá dar conta,
sozinha, do enfrentamento das expressões da questão social, que e histórica e
estrutural. Desta forma, ha que se empreender uma praxis1 de acesso a justiça,
em seu sentido amplo, sem analisar, de maneira ingênua, que a justiça será
outorgada pelo Estado, como um ator comprometido com o bem comum.
Neste contexto, precisam-se
encontrar soluções e não apenas identificar problemas, porque a questão não e apenas jurídica,
mas também politica e social.
A transferência de responsabilidade
para o Poder Judiciário para responder aos desdobramentos da questão social
pode ser considerado positivo na medida em que se aplica a forca da lei, mas se
for uma pratica maciça
será ineficaz e injusta, visto que
os que não recorrem a esta esfera estatal serão privados de seus direitos.
No entanto, concluímos que
transferir para o Judiciário, a responsabilidade de atendimento das demandas
populares, ao invés de fortalecer a perspectiva de garantia de direitos
positivados, pode contribuir para a desresponsabilizacao do Estado, sobretudo
dos Poderes Legislativo e Executivo, com a efetivação destes direitos, através das
politicas publicas.
Não estamos negando a importância
do acesso a justiça. Importa reconhecer que o judiciário não tratara sozinho do
enfrentamento as expressões da questão social, visto que este poder não age na prevenção
dos conflitos sociais, suas ações são voltadas ao atendimento de forma
individual e apenas aqueles que conhecem seus direitos ou que possuem condições
de acessar a justiça.
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A práxis aqui referida e a práxis
politica, pois pressupõe a participação de amplos setores da sociedade. Segundo
Vazquez (1977:201), não se trata de uma atividade espontânea. “Persegue
determinados objetivos que correspondem aos interesses radicais das classes
sociais, e em cada situação concreta a realização desses objetivos esta
condicionada pelas possibilidades objetivas inscritas na própria realidade. Uma
politica que corresponda a essas possibilidades e que exclua todo
aventureirismo exige um conhecimento dessa realidade [...] para não se propor
de ações que culminem inexoravelmente num fracasso”.
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