Mortes violentas de jovens crescem com o desemprego
Número de homicídios sobe junto com aumento da ociosidade, diz estudo
À medida que crescem o desemprego e a ociosidade entre os jovens, aumenta a taxa de homicídios. A conclusão é de um estudo da economista Roberta Guimarães, em tese de doutorado na UFRJ. Ela analisou as mortes violentas de jovens entre 15 e 29 anos de 1992 a 2005, conta CÁSSIA ALMEIDA.
A cada 1% de aumento na taxa de desocupação nessa faixa etária, o número de homicídios cresce 0,5% na mesma faixa etária. Os números são impressionantes e mostram ainda que, nas dez maiores regiões metropolitanas do país, morreram assassinados, em média, 34 jovens por dia. Mais de um por hora.
O resultado da pesquisa ficou pronto quando a taxa de desemprego entre jovens de 16 a 24 anos subiu de 17,9% em janeiro para 21,1% em março.
Estudo mostra que número de homicídios de jovens sobe junto com aumento da ociosidade
Desemprego e morte. Duas palavras que estão associadas a uma faixa etária cheia de vida: os jovens de 15 a 29 anos. Estudo da economista Roberta Guimarães mostra que a falta do emprego e a ociosidade (fora da escola e sem trabalho) estão intimamente ligados ao aumento de assassinatos na faixa etária mais produtiva: a cada 1% de aumento na taxa de desocupação da população jovem, há alta de 0,5% na taxa de homicídios na mesma faixa etária. A ociosidade tem um efeito ainda mais direto: se cresce em 1%, as mortes violentas acompanham. De 1992 a 2005, período de análise do estudo, o número de homicídios saltou de 7.197 para 12.309 ao ano, uma alta de 71%. A população de desempregados cresceu exatamente na mesma proporção: de 625.180 para 1.077.216, um incremento de 72,3%. Nas dez maiores regiões metropolitanas do país, foram assassinados, em média, 34 jovens por dia. Nesses 13 anos, 155.801 mães perderam seus filhos para a violência urbana.
O cruzamento de indicadores econômicos como desemprego, renda, pobreza e desigualdade foi feito por Roberta para sua tese de doutorado na UFRJ, para tentar buscar explicações diante da alta taxa de homicídios entre jovens. O resultado da pesquisa ficou pronto exatamente quando a economia mundial sofre um solavanco histórico e, no Brasil, a taxa de desemprego entre jovens de 16 a 24 anos subiu de 17,9% em janeiro para 21,1% em março, na maior alta entre os grupos etários, de acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego, do IBGE: — É um problema da juventude e das grandes metrópoles. Apesar de representarem 14% da população, os homens entre 15 e 29 anos são mais de 50% das pessoas assassinadas no país. São necessárias políticas de geração de emprego e de inclusão nas escolas, e não apenas investir na repressão.
A economista usou os dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Datasus, para chegar às taxas de homicídio e buscou as estatísticas econômicas na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE.
— Não existe uma resposta única para essa relação entre homicídios, desemprego e ociosidade. No Brasil, a criminalidade, especialmente entre homens jovens, está altamente relacionada ao tráfico de drogas. Não somente pela questão financeira, mas pelo poder por trás das armas. Se você não encontra trabalho e está fora da escola, não necessariamente vai pegar uma arma e começar a vender drogas. Mas ficará mais exposto a essa realidade — explica Roberta.
Aos 27 anos, Cassius Marcellus Vieira Sousa foi achado no Instituto Médico Legal (IML) uma semana depois de ter desaparecido em 5 de julho de 2006. Com sinais de tortura e um tiro na cabeça, Cassius tinha ido buscar maconha. Estava à procura de emprego e parou de estudar sem concluir o Ensino Médio. A mãe, Lúcia Suely Vieira Sousa, diz que ele acreditava que nada de mau poderia acontecer.
— Ele dizia que só as pessoas que estavam envolvidas diretamente com o tráfico estavam correndo risco. O morro foi invadido pela milícia e ele foi morto — conta Suely, que perdeu o filho único, pai de um menino hoje com 4 anos.
Economista não encontra relação com pobreza
O inquérito foi arquivado, o mesmo destino dado à investigação do assassinato do auxiliar de expedição Aldo Nogueira Dias. Aos 22 anos, ele teve a vida interrompida por uma bala perdida na nuca num fim de tarde em Jacarepaguá, no dia 16 de maio de 2005. Até hoje a mãe, Marilene da Silva, não sabe de onde partiu o tiro.
— Ele tinha sonhos como todo rapaz. Casar, ter sua casa. Trabalhava muito e tinha pouco tempo para estudar — conta ela.
Marilene deixou o trabalho e, hoje, com apenas 47 anos, sofre com depressão e hipertensão.
Encontrou apoio em outras mães, no Movimento Anjos pela paz, que reúne mais de 80 pessoas que perderam seus filhos de forma violenta.
A economista não encontrou laços diretos da renda e da pobreza com as taxas de homicídio. Nesse quesito, não se restringiu às informações sobre os jovens. O cruzamento foi feito com dados de renda domiciliar per capita das regiões metropolitanas: — Constatei que as regiões mais prósperas e que, portanto, têm renda mais elevada, ou menores percentuais de pobres ou de favelas, apresentam taxas de homicídio maiores. Possivelmente, aquelas regiões mais pobres são menos atraentes para o crime, ou menos lucrativas para o tráfico de drogas.
O Ministério da Educação afirmou que já tinha esse diagnóstico, “mas não com essa precisão exposta no estudo”, disse o secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC, André Lázaro. Segundo ele, há no Brasil 2.069 escolas abertas nos fins de semana em áreas de maior vulnerabilidade: — A comunidade ocupa a escola.
Ele cita ainda a ampliação do Bolsa Família para os jovens de 15 a 17 anos, que alcançou 1,9 milhão de estudantes. Segundo o ministério, a frequência desses alunos alcançou 77,79% contra 85,59% na faixa entre 7 e 14 anos. Outro projeto é a escola integral, implantado em 1.409 colégios de regiões metropolitanas com os menores Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.
— A complementação é feita com artes, cultura e reforço escolar.
O Ministério do Trabalho, por meio de nota, disse desenvolver políticas públicas de vulto voltadas à formação e qualificação profissional de jovens. Segundo o ministério, os programas levam em conta dados socioeconômicos e regionais para combater o desemprego e a ociosidade.
Texto: Cássia Almeida
Publicado no Jornal O Globo na edição de 17/05/2009.
À medida que crescem o desemprego e a ociosidade entre os jovens, aumenta a taxa de homicídios. A conclusão é de um estudo da economista Roberta Guimarães, em tese de doutorado na UFRJ. Ela analisou as mortes violentas de jovens entre 15 e 29 anos de 1992 a 2005, conta CÁSSIA ALMEIDA.
A cada 1% de aumento na taxa de desocupação nessa faixa etária, o número de homicídios cresce 0,5% na mesma faixa etária. Os números são impressionantes e mostram ainda que, nas dez maiores regiões metropolitanas do país, morreram assassinados, em média, 34 jovens por dia. Mais de um por hora.
O resultado da pesquisa ficou pronto quando a taxa de desemprego entre jovens de 16 a 24 anos subiu de 17,9% em janeiro para 21,1% em março.
Estudo mostra que número de homicídios de jovens sobe junto com aumento da ociosidade
Desemprego e morte. Duas palavras que estão associadas a uma faixa etária cheia de vida: os jovens de 15 a 29 anos. Estudo da economista Roberta Guimarães mostra que a falta do emprego e a ociosidade (fora da escola e sem trabalho) estão intimamente ligados ao aumento de assassinatos na faixa etária mais produtiva: a cada 1% de aumento na taxa de desocupação da população jovem, há alta de 0,5% na taxa de homicídios na mesma faixa etária. A ociosidade tem um efeito ainda mais direto: se cresce em 1%, as mortes violentas acompanham. De 1992 a 2005, período de análise do estudo, o número de homicídios saltou de 7.197 para 12.309 ao ano, uma alta de 71%. A população de desempregados cresceu exatamente na mesma proporção: de 625.180 para 1.077.216, um incremento de 72,3%. Nas dez maiores regiões metropolitanas do país, foram assassinados, em média, 34 jovens por dia. Nesses 13 anos, 155.801 mães perderam seus filhos para a violência urbana.
O cruzamento de indicadores econômicos como desemprego, renda, pobreza e desigualdade foi feito por Roberta para sua tese de doutorado na UFRJ, para tentar buscar explicações diante da alta taxa de homicídios entre jovens. O resultado da pesquisa ficou pronto exatamente quando a economia mundial sofre um solavanco histórico e, no Brasil, a taxa de desemprego entre jovens de 16 a 24 anos subiu de 17,9% em janeiro para 21,1% em março, na maior alta entre os grupos etários, de acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego, do IBGE: — É um problema da juventude e das grandes metrópoles. Apesar de representarem 14% da população, os homens entre 15 e 29 anos são mais de 50% das pessoas assassinadas no país. São necessárias políticas de geração de emprego e de inclusão nas escolas, e não apenas investir na repressão.
A economista usou os dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Datasus, para chegar às taxas de homicídio e buscou as estatísticas econômicas na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE.
— Não existe uma resposta única para essa relação entre homicídios, desemprego e ociosidade. No Brasil, a criminalidade, especialmente entre homens jovens, está altamente relacionada ao tráfico de drogas. Não somente pela questão financeira, mas pelo poder por trás das armas. Se você não encontra trabalho e está fora da escola, não necessariamente vai pegar uma arma e começar a vender drogas. Mas ficará mais exposto a essa realidade — explica Roberta.
Aos 27 anos, Cassius Marcellus Vieira Sousa foi achado no Instituto Médico Legal (IML) uma semana depois de ter desaparecido em 5 de julho de 2006. Com sinais de tortura e um tiro na cabeça, Cassius tinha ido buscar maconha. Estava à procura de emprego e parou de estudar sem concluir o Ensino Médio. A mãe, Lúcia Suely Vieira Sousa, diz que ele acreditava que nada de mau poderia acontecer.
— Ele dizia que só as pessoas que estavam envolvidas diretamente com o tráfico estavam correndo risco. O morro foi invadido pela milícia e ele foi morto — conta Suely, que perdeu o filho único, pai de um menino hoje com 4 anos.
Economista não encontra relação com pobreza
O inquérito foi arquivado, o mesmo destino dado à investigação do assassinato do auxiliar de expedição Aldo Nogueira Dias. Aos 22 anos, ele teve a vida interrompida por uma bala perdida na nuca num fim de tarde em Jacarepaguá, no dia 16 de maio de 2005. Até hoje a mãe, Marilene da Silva, não sabe de onde partiu o tiro.
— Ele tinha sonhos como todo rapaz. Casar, ter sua casa. Trabalhava muito e tinha pouco tempo para estudar — conta ela.
Marilene deixou o trabalho e, hoje, com apenas 47 anos, sofre com depressão e hipertensão.
Encontrou apoio em outras mães, no Movimento Anjos pela paz, que reúne mais de 80 pessoas que perderam seus filhos de forma violenta.
A economista não encontrou laços diretos da renda e da pobreza com as taxas de homicídio. Nesse quesito, não se restringiu às informações sobre os jovens. O cruzamento foi feito com dados de renda domiciliar per capita das regiões metropolitanas: — Constatei que as regiões mais prósperas e que, portanto, têm renda mais elevada, ou menores percentuais de pobres ou de favelas, apresentam taxas de homicídio maiores. Possivelmente, aquelas regiões mais pobres são menos atraentes para o crime, ou menos lucrativas para o tráfico de drogas.
O Ministério da Educação afirmou que já tinha esse diagnóstico, “mas não com essa precisão exposta no estudo”, disse o secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC, André Lázaro. Segundo ele, há no Brasil 2.069 escolas abertas nos fins de semana em áreas de maior vulnerabilidade: — A comunidade ocupa a escola.
Ele cita ainda a ampliação do Bolsa Família para os jovens de 15 a 17 anos, que alcançou 1,9 milhão de estudantes. Segundo o ministério, a frequência desses alunos alcançou 77,79% contra 85,59% na faixa entre 7 e 14 anos. Outro projeto é a escola integral, implantado em 1.409 colégios de regiões metropolitanas com os menores Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.
— A complementação é feita com artes, cultura e reforço escolar.
O Ministério do Trabalho, por meio de nota, disse desenvolver políticas públicas de vulto voltadas à formação e qualificação profissional de jovens. Segundo o ministério, os programas levam em conta dados socioeconômicos e regionais para combater o desemprego e a ociosidade.
Texto: Cássia Almeida
Publicado no Jornal O Globo na edição de 17/05/2009.
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